domingo, 19 de setembro de 2010

O avanço do "progresso" sobre a história das pessoas

Depoimento emocionante e tocante de Carina Lucindo, moradora da Vila Mariana e colega de PreservaSP, que está prestes a ver toda a memória e parte do bairro onde vive ser distruído pela roda-viva dos interesses financeiros imobiliários.

Conheça o trabalho da Carina em:

www.bardisa.com.br
www.whatsyourtree.org
www.ecozoicstudies.org
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Ameaça ao patrimônio histórico e ambiental na Vila Mariana

Caros,

Sou moradora da Vila Mariana e há cerca de dois meses, eu e meus vizinhos começamos a ser assediados por representantes de uma construtora, que nos abordou em nossos lares dizendo que precisávamos vender as nossas casas para que fosse construído um empreendimento imobiliário. A pessoa dizia para cada vizinho abordado que os demais já haviam vendido seus imóveis, e assim a construção do tal prédio já era certa.

Aqueles entre nós que pagam aluguel correm o risco de serem tirados dos nossos lares sem nenhuma outra escolha, tendo que deixar nossos quintais, com nossas árvores, plantas e pássaros, dos quais nossa cidade é tão carente, para serem destruídos e substituídos por mais concreto – o que já existe em excesso por aqui.

Hoje, enquanto preparava a terra da minha pequena horta no fundo do quintal para receber pés de almeirão, couve e alface, ouvindo o sabiá que cantava nos galhos da árvore do quintal vizinho, imaginei que tudo isso pode deixar de existir em pouco tempo. Sentei e chorei – não é possível que não haja nada que nós, cidadãos, possamos fazer para proteger essas árvores e os periquitos, sabiás, bem-te-vis, borboletas e abelhas que vivem, se alimentam e criam suas famílias nesses galhos e folhas.

O curioso é que, aparentemente, a lei está do nosso lado. O Plano Diretor Estratégico, Lei nº 13.430 do Município de São Paulo, prevê que a Vila Mariana encontra-se em uma área em que "objetiva-se alcançar transformações urbanísticas para controlar a expansão de novas edificações e a saturação da infra-estrutura existente, por meio de:

I – controle do processo de adensamento construtivo e de saturação viária, por meio da contenção do atual padrão de verticalização, da revisão de usos geradores de tráfego;

II – preservação e proteção das áreas estritamente residenciais e das áreas verdes significativas" (…)

Mesmo assim, recentemente um terreno próximo foi ocupado por um prédio de proporções exageradas onde antes havia o Casarão do Livorno, um palácio em estilo florentino do início do século XX. E muitas outras casas e quintais já foram destruídos para a construção de mais prédios.

A ânsia de fazer dinheiro não poupa nada, nem o patrimônio histórico, nem a fauna e a flora – e também não se preocupa com o planejamento da região, especialmente com o aumento do tráfego e da poluição em uma área já bastante prejudicada pelo trânsito pesado de carros e ônibus.

Numa cidade como São Paulo, em que cada vez mais o asfalto e o concreto tomam o espaço do verde, cada pedacinho de terra que permite o escoamento da água das chuvas e de onde brotam árvores que oferecem abrigo e alimento para as aves que conseguem sobreviver na cidade deve ser defendido com unhas e dentes contra a especulação imobiliária e a ganância das construtoras.

Por estarmos próximos ao Parque da Aclimação, nossos quintais funcionam como um verdadeiro corredor verde para as aves que vão até o parque – podemos avistar em nossos quintais periquitos-ricos (um dos candidatos a animal símbolo da cidade), sabiás-laranjeira (ave nacional do Brasil), bem-te-vis, chupins, maracanãs, almas-de-gato, gaviões, pardais, rolinhas, além de diversas espécies de borboletas e outras espécies polinizadoras.

Além de ampliar a permeabilidade do solo, os quintais são importantes por conter árvores frutíferas, que além de alimentar as aves, aumentam a umidade e melhoram a qualidade do ar. Além disso, muitas das casas nesta vizinhança são antigas e representativas do estilo arquitetônico da década de 50.

Nós, moradores das ruas Carlos Petit, Gregório Serrão e Joaquim Távora, lutaremos para defender nossos quintais, nossas árvores e as aves que precisam delas para sobreviver nesta cidade de concreto! E pedimos a ajuda e as sugestões de vocês para que o poder público e as comunidades reconheçam a importância desses e outros quintais para a qualidade de vida nas cidades.

Assine o abaixo-assinado pela não verticalização da região, pelo cumprimento das determinações do Plano Diretor e em defesa dos quintais e das vidas que dependem deles, e divulgue para os seus amigos. Obrigada!

Um abraço!

Carina Lucindo

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